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Josias de Souza

Há muita fumaça e pouco fogo no impeachment

Josias de Souza

20/04/2015 19h32

Num instante em que a palavra impeachment salta dos lábios dos políticos com desenvoltura coreográfica, não convém gritar incêndio dentro do teatro. Mas, para entender o que sucede, é aconselhável gritar teatro dentro do incêndio. Há mais fumaça do que fogo nesse palco.

A fumaça aumentou depois que o TCU considerou ilegais as pedaladas fiscais usadas para disfarçar a fragilidade das contas públicas no primeiro mandato de Dilma. A perspectiva de configuração de um crime de responsabilidade da presidente da República assanhou a oposição.

De repente, o PSDB decidiu convencer outras legendas oposicionistas a fazerem uma coisa da qual o tucanato não tem a menor convicção. Líderes tucanos na Câmara e no Senado preparam para maio um pedido de impeachment que até o correligionário Fernando Henrique Cardoso, sábio da tribo, considera precipitado.

Em debates internos, governadores tucanos, alguns deles com calos de vidro, ecoam as cautelas de FHC. E Aécio Neves, presidente do PSDB, equilibra-se entre as duas alas —declara que impeachment não é golpe, está previsto na Constituição. Mas evita aderir 100% à tese. Pede investigações e livre debate.

Em ritmo de vai ou racha, os líderes do PSDB no Congresso afirmam que o partido dará o próximo passo. Mesmo que rachado. Confirmando-se a formalização do pedido, o impeachment irá à mesa do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, a quem cabe analisá-lo.

Cunha já sinalizou que o destino do pedido será a gaveta. No momento, interessa ao deputado, ilustre investigado da Lava Jato, manter em cena uma Dilma pendurada na beira do abismo. Dependendo da evolução da conjuntura, Cunha pode optar entre tratar a presidente com as mãos ou com os pés.

O engavetamento de um eventual pedido de impeachment daria ao pedaço engajado do PSDB a oportunidade de se reposicionar em cena. Vistos pelas ruas como oposisitores flácidos, os tucanos poderão lavar as mãos e sugerir aos manifestantes que se juntem à comunidade LGBT no coro de "Fora Eduardo Cunha."

E quanto ao impeachment? Bem, se o asfalto continuar fervendo, se Dilma não parar de derreter e se surgir no horizonte algo parecido com o que FHC chama de "fato concreto", o PMDB de Eduardo Cunha será o fiel da balança. Impossível, portanto, antever o que está por vir.

O partido do vice-presidente Michel Temer, como se sabe, é firme em suas posições. Pode ser a favor de tudo e absolutamente contra qualquer outra coisa. No momento, o PMDB respira melhor em meio à fumaça. Pragmático, o partido só descobrirá utilidade nos fósforos no momento em que se convencer de que o fogo pode lhe ser mais rentável.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.