Eduardo Cunha arma derrota de Dilma em almoço sem o PT e com oposicionistas
Dilma Rousseff foi dormir aborrecida na noite passada. Ela iniciara a terça-feira animada. Dava-se de barato à sua volta que seria aprovada na Câmara a primeira medida provisória do ajuste fiscal do governo, também conhecido como arrocho trabalhista. Deu tudo errado. Além de protelar a apreciação da proposta que interessava ao governo, Eduardo Cunha, presidente da Câmara, atravessou na traqueia de Dilma a PEC da Bengala, que estica de 70 para 75 anos a idade para a aposentadoria compulsória dos ministros de tribunais superiores.
O pesadelo de Dilma começou a ser planejado por Eduardo Cunha na hora do almoço. Sem alarde, ele reuniu na residência oficial da Câmara líderes de vários partidos, exceto do PT. Havia ao redor da mesa representantes do PMDB, PP, PR, PDT, PSC, PTB e até dos oposicionistas Solidariedade e DEM. Cunha informou aos convidados que aproveitaria a tropa mobilizada pelo governo para enganchar a PEC da Bengala na MP do ajuste fiscal. Faria isso de surpresa, para evitar contragolpes. Sem saber, o Planalto mobilizava a infantaria de que o desafeto de Dilma necessitava para derrotá-la.
Àquela altura, Cunha planejava entregar a mercadoria desejada por Dilma. Enfiaria a PEC da Bengala no enredo apenas para dividir as manchetes com a MP trabalhista, evitando uma vitória solitária do governo. O anfitrião combinou o jogo com os comensais: abriria a sessão com a discussão do arrocho. Logo que o quórum subisse, colocaria em votação a PEC que retira de Dilma a prerrogativa de indicar pelo menos mais cinco ministros para o STF até 2018. Fecharia a noite com a aprovação da MP do ajuste fiscal. Na metade do caminho, Cunha mudou de ideia. Aprovou o que lhe interessava. E aplicou um golpe de barriga na matéria de interesse do governo.
O futebol talvez seja a melhor metáfora para a sessão da Câmara. Pelo menos oferece analogias que ajudam a interpretá-la. O arrocho fiscal era a bola. Estava combinado que o time do governo, estimulado pelas promessas de premiação feitas pelo articulador Michel Temer, dominaria o pacote no peito e colocaria, maciamente, no solo. Mas o PT aparou com o nariz a primeira medida provisória do embrulho. Rachado, o partido da presidente não conseguiu fechar questão em favor do arrocho.
Para complicar, Lula chutou a grama. Num instante em que os deputados governistas se dispunham a limitar benefícios trabalhistas em nome do equilíbrio das contas públicas, Lula fazia pose de defensor dos trabalhadores numa aparição no programa do PT, transmitido em rede nacional. O meio campo do governo embolou. Triangulando pela ponta direita, Eduardo Cunha lançou um par de bolas nas costas de Dilma. E terminou impondo ao Planalto uma derrota de 2 a zero. Com direito a gol contra de Lula.
Na véspera, durante a reunião de Dilma com os membros da coordenação política do governo, Michel Temer avisara: a dubiedade do PT dificultava a aprovação do pacote fiscal. O PMDB e outras legendas governistas condicionavam o voto nas medidas que limitam a concessão de benefícios trabalhistas e previdenciários ao engajamento de 100% do PT. Os aliados não admitiam fazer o papel de vilão enquanto os petistas posavam de bons moços.
Presente à reunião, o ministro petista Ricardo Berzoini (Comunicações) dissera a Temer que seu partido fecharia questão a favor do ajuste. Na linguagem partidária, fechar questão signica obrigar todos os filiados a votarem a favor de determinada proposta, sob pena de sofrer punições. Rachada, a bancada do PT emitiu sinais trocados durante todo o dia. Uma dezena de deputados petistas ameaçavam votar contra o governo.
Temer tocou o telefone para Dilma e para o ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil). Reiterou que a hesitação do PT colocava o ajuste em risco. O Planalto mandou à Câmara quatro ministros petistas. Não conseguiram arrancar o fechamento de questão. Mas produziram na bancada uma maioria pró-arrocho. Anunciada em plenário, a posição do PT foi considerada satisfatória pelo PMDB e demais aliados.
Súbito, o PT levou ao ar, em cadeia nacional de rádio e tevê, sua propaganda de dez minutos. Dilma não deu as caras na peça. Mas Lula deu o ar de sua graça. Falou contra o projeto de terceirização de mão de obra, recém aprovado na Câmara e enviado ao Senado.
"Não podemos permitir que a história de conquistas dos trabalhadores ande para trás", disse o morubixaba do PT. "É isso o que vai acontecer se for aprovado o projeto de lei 4.430, o projeto da terceirização, que passou na Câmara dos Deputados. Esse projeto faz o Brasil retornar ao que era no começo do século passado. Volta ao tempo em que o trabalhador era um cidadão de terceira classe, sem direitos, sem garantias, sem dignidade. Nós não vamos permitir esse retrocesso…"
Cunha ficou furioso com a pose de Lula. A fúria contagiou a bancada do PMDB. O panelaço que soou durante o programa do PT em 14 Estados e em Brasília despertou nos peemedebistas o desejo de reagir. Farejando o sentimento de sua bancada, Cunha chamou à mesa de onde presidia a sessão o líder do PMDB, seu escudeiro Leonardo Picciani. Enviou-o à tribuna. Num discurso irônico, o deputado anunciou que o PMDB decidiu retirar seu apoio ao pacote. Enquanto o governo e o PT não se entenderem, o PMDB prefere dar ouvidos a Lula, tão preocupado com os trabalhadores, do que aprovar o arrocho proposta por Dilma.
O ajuste fiscal de Dilma subiu no telhado perto da meia-noite. E Eduardo Cunha marcou o reinício do debate para o meio-dia desta quarta-feira. Para dar nova meia-volta, o PMDB exige que o PT ajoelhe no milho. O ativismo do PMDB torna a oposição desnecessária.
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