Topo

Josias de Souza

Temer critica Fachin por ‘apressar’ o caso JBS

Josias de Souza

01/06/2017 03h38

Michel Temer revela-se em diálogos privados incomodado com o ritmo de toque de caixa que o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, imprimiu ao caso das delações da JBS. Relator da Lava Jato, Fachin indeferiu todos os pedidos da defesa de Temer. Autorizou a Polícia Federal a interrogar o presidente por escrito. E ainda fixou prazo de escassos dez dias para a conclusão do inquérito.

Suspeita-se no Planalto que a origem da pressa é o desejo do procurador-geral da República Rodrigo Janot de denunciar Temer pela suposta prática dos crimes de corrupção passiva, obstrução de Justiça e formação de organização criminosa.

De acordo com um de seus auxiliares, Temer considera-se vítima de abuso de autoridade. Sustenta que Janot, cujo mandato expira em setembro, construiu o inquérito a partir de uma gravação "adulterada", feita por um delator superpremiado, o empresário Joesley Batista, da JBS. E reclama do fato de Fachin não ter compartilhado nenhuma de suas decisões com os outros dez ministros que integram o plenário do Supremo (saiba mais aqui e aqui). Ecoando Temer, seu assessor disse ao blog: "Não é que eles tenham perdido o respeito pelo presidente, o problema é que não respeitam nem a institucionalidade que deveria permear o processo."

Nesta quarta-feira, ao empossar o advogado Torquato Jardim no cargo de ministro da Justiça, Temer disse que o Brasil atravessa "momentos de grande conflito institucional." Sem citar nomes, ele acrescentou: o país "vive momentos de conflito institucional precisamente porque não se dá cumprimento, muitas e muitas vezes, à ordem institucional. E o que nós precisamos, com muita celeridade, com muita rapidez, é exatamente recuperar a institucionalidade no país. Porque a recuperação da institucionalidade significa precisamente a manutenção da ordem." (Veja abaixo um trecho do discurso de Temer).


O presidente tem razões para inquietar-se com o ritmo do inquérito que corre contra ele no Supremo. A investigação pode resultar na abertura de uma ação penal que segue uma coreografia muito parecida com o rito do impeachment que enviou Dilma Rousseff para casa mais cedo. A diferença em relação ao crime de responsabilidade é que, depois da autorização da Câmara, cabe ao Supremo, não ao Senado, julgar o presidente por supostamente ter praticado crimes comuns. Apoiadores de Temer no Legislativo começaram a fazer as contas. Estimam que a Câmara pode ser chamada a opinar sobre o caso nos próximos 90 dias.

Alheio às queixas de Temer, Fachin atribui o prazo exíguo que deu à Polícia Federal ao fato de a investigação envolver uma pessoa presa. Trata-se de Roberta Funaro, irmã do doleiro Lúcio Funaro, operador do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. Se necessário, os responsáveis pelo inquérito podem pedir uma prorrogação do prazo a Fachin. Encerrado o trabalho policial, Fachin remeterá o processo para Janot, a quem cabe formular eventual denúncia contra o presidente da República.

Confirmando-se a denúncia, o relator Fachin notificará Temer para que apresente uma resposta em 15 dias. Esse prazo está previsto no artigo 233 do regimento interno do Supremo. Anota o seguinte: "O Relator, antes do recebimento ou da rejeição da denúncia ou da queixa, mandará notificar o acusado para oferecer resposta escrita no prazo de quinze dias." Em seguida, Fachin terá de submeter a denúncia do procurador-geral à Câmara dos Deputados.

Na Câmara, o processo seguirá sete passos:

1) Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Casa, recebe a papelada do Supremo, notifica Temer e envia a denúncia à Comissão de Constituição e Justiça.

2) Ali, Temer terá um prazo de dez sessões para apresentar nova defesa.

3) No intervalo de mais cinco sessões, a comissão se pronunciará contra ou a favor da autorização para que o Supremo instaure ação penal contra o presidente.

4) Depois de lido, o parecer da comissão será publicado e incluído na pauta de votações da Câmara.

5) O presidente da sessão anunciará uma votação nominal.

6) A autorização para abertura de processo contra o presidente exige aprovação por dois terços. Num colégio de 513 deputados, isso equivale a 342 votos.

7) A Câmara comunicará sua decisão ao Supremo no prazo de duas sessões.

Se a resposta da Câmara for favorável à continuidade do processo contra o presidente da República, Fachin terá de percorrer mais oito passos. Em letras do alfabeto, irá de A até H:

A) Como relator do caso, Fachin submete a denúncia da Procuradoria ao plenário do Supremo.

B) Se a peça acusatória for rejeitada pela maioria dos 11 ministros, o processo vai ao arquivo.

C) Se a denúncia for acatada, Fachin marca dia e hora para o interrogatório do presidente. Além do réu, o ministro notifica o procurador-geral da República.

D) Nesse estágio o presidente é afastado de suas funções pelo prazo de 180 dias;

E) O réu dispõe de prazo para apresentar defesa prévia: cinco dias, a contar do interrogatório.

F) Toda a instrução do processo segue o rito previsto no Código de Processo Penal.

G) Concluída a fase de instrução e de diligências, abre-se prazo de 15 dias para que defesa e acusação apresentem sua alegações finais.

H) Marca-se o dia do julgamento. O regimento interno do Supremo prevê a realização de sessão secreta. Mas há um entendimento de que essa regra foi superada pela Constituição de 88, que consagra o princípio da ampla publicidade. Assim, a sessão, se ocorrer, deve ser aberta.

A defesa de Temer, naturalmente, guerreará para sepultar o processo antes que ele chegue à fase final. Os advogados esperavam enterrar as acusações apontando as debilidades da gravação "clandestina" feita pelo delator Joesley Batista. Mas Fachin sensibilizou-se com a tese de Janot segundo a qual Temer fez uma "confissão extrajudicial" ao admitir publicamente o encontro noturno, no Palácio do Jaburu, com um empresário crivado de suspeições. Para Janot, de resto, Temer validou trechos comprometedores do áudio ao tentar justificar o conteúdo tóxico da conversa.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.