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Josias de Souza

Supremo se move para dessacralizar a Lava Jato

Josias de Souza

15/03/2019 19h36

Na administração pública, como na vida, todo o mal começa com as explicações. A fundação privada que a Lava Jato pretendeu criar com verbas provenientes de uma punição aplicada pelo governo dos Estados Unidos contra a Petrobras revelou-se algo inexplicável. Os esclarecimentos dos procuradores da força-tarefa, por mais lógicos que pudessem parecer, foram desligados da tomada. O acordo de R$ 2,5 bilhões virou uma espécie de antídoto para todos os que se incomodavam com os venenos produzidos no enclave de Curitiba.

Até bem pouco, ministros do Supremo administravam com parcimônia sua aversão à popularidade dos operadores do maior e mais eficaz esforço anticorrupção da história. As ruas cheias como que esvaziavam o discurso dos adversários da Lava Jato na cúpula do Judiciário. De repente, em menos de 24 horas, a Suprema Corte animou-se a desferir três pauladas na rapaziada de Curitiba. Numa, abriu investigação sigilosa que tem Deltan Dallagnol e Cia. como alvos. Noutra, transformou a Justiça Eleitoral no novo foro privilegiado dos políticos corruptos.

Nesta sexta-feira, numa terceira porretada, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu os efeitos do fatídico acordo sobre a fundação da Lava Jato. Fez isso a pedido da própria procuradora-geral da República Raquel Dodge, que trava com a força-tarefa de Curitiba uma guerra interna. Na prática, a criação da fundação já estava suspensa, a pedido da própria força-tarefa, às voltas com a administração da crise que criou para si mesma.

Na véspera, o ministro Gilmar Mendes como que levantara a bola para Alexandre de Moraes cortar: "Não quero cometer perjúrio, mas o que se pensou com essa fundação do Deltan Dallagnol foi criar um fundo eleitoral. Era para isso. Imagina o poder! […] Essa gente faria tudo no Brasil, faria chover com esse dinheiro. É projeto de poder. É disso que nós estamos falando."

Suprema ironia: o pedaço do Supremo que torce o nariz para a Lava Jato aproveita munição fornecida pela própria força-tarefa para dessacralizar a operação. É como se os ministros gritassem: "Não é mais pecado, gente. As ruas estão vazias. Pau neles!" O movimento não sairá de graça. Na sessão em que ficou decidido que corrupção com caixa dois será julgada pela Justiça Eleitoral, o ministro Luís Roberto Barroso soou como se receasse que o preço pode ser caro.

"Lamento que qualquer pessoa, seja um procurador da República ou um cidadão, faça um juízo severo e depreciativo do Supremo em qualquer momento ou lugar. É aqui que trabalho. É a esse tribunal que dedico a minha vida. E estão aqui as minhas afeições e as minhas lealdades institucionais. Mas eu fico mais triste ainda ao constatar que esta é opinião de uma parte infelizmente relevante da sociedade brasileira, que acha que o Supremo embaraça as investigações sobre corrupção. Não estou endossando. Estou dizendo que existe essa percepção."

Pois é!

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.