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Josias de Souza

Mais Médicos: governo diz na Justiça desconhecer como Cuba usa verbas

Josias de Souza

03/11/2014 18h41

Intimada a se defender em duas ações movidas em Brasília contra o programa Mais Médicos, a União admitiu à Justiça Federal que desconhece a destinação que Cuba dá ao dinheiro que recebe do Brasil. Alegou que a verba é repassada a Havana por meio da Organização Pan-Americana da Saúde, a OPAS. Sustentou ter solicitado formalmente cópia do contrato firmado pela entidade com o governo cubano. Mas a OPAS recusou-se a fornecer, sob o argumento de que os dados "estão protegidos por cláusula de confidencialidade."

Apenas no ano passado, o Ministério da Saúde destinou a Cuba R$ 510,9 milhões. A cifra corresponde a R$ 10 mil por médico cubano enviado ao Brasil. Porém, diferentemente do que ocorre com os profissionais brasileiros e de outras nacionalidades recrutados para atuar no Mais Médicos, os cubanos não recebem a remuneração integral. O grosso é apropriado pela ditadura de Cuba. Representado pela Advocacia Geral da União, o governo brasileiro se explicou à Justiça nos seguintes termos:

"Importa salientar que a sistemática de pagamento diferenciada é exigência de Cuba (em razão do regime econômico e político lá adotado) para permitir a participação de médicos cidadãos seus no Projeto Mais Médicos para o Brasil, à semelhança do que já ocorre em virtude de acordos internacionais firmados com outros países para viabilizar a participação de cubanos em missões internacionais."

Os defensores do governo acrescentaram: "Não são de conhecimento do Ministério da Saúde os termos dos ajustes firmados entre a OPAS/OMS e o Governo de Cuba e entre este e seus cidadãos. Referida documentação foi formalmente solicitada à OPAS/OMS que, no entanto, recusou-se a fornecê-los ao fundamento de que estão protegidos por cláusula de confidencialidade."

As alegações providas pela AGU constam de dois processos. Um deles teve origem numa ação civil pública ajuizada pelo Conselho Federal de Medicina. Corre na 2ª Vara Federal do DF. Outro nasceu de uma ação popular movida por Plínio Gustavo Prado Garcia. Tramita 14ª Vara Federal do DF. O Ministério Público Federal também se manifestou nos autos. Fez isso por meio da procuradora da República Luciana Loureiro Oliveira.

A doutora reconheceu a "importância" do Mais Médicos, mas concluiu: "…entendemos que a viabilização da vinda de tais profissionais cubanos, nos termos em que pactuados com a OPAS, se mostra francamente ilegal e arrisca o erário a prejuízos até então incalculáveis, exatamente por não se conhecer o destino efetivo dos recursos públicos brasileiros empregados no citado acordo."

Para a procuradora, a "falta de transparência" torna impossível "controlar e ou fiscalizar o cumprimento dos resultados estipulados" pelo governo brasileiro. Tampouco é possível saber "o destino final dos recursos repassados pelo Brasil à organização [OPAS], em detrimento do patrimônio público." Na qualidade de "fiscal da lei", o Ministério Público Federal requereu nas duas ações:

1) a suspensão, por meio de liminar, da "sistemática de pagamento das bolsas concedidas aos médicos intercambistas cubanos do Programa Mais Médicos."

2) a expedição de ordem judicial para que "tais pagamentos sejam realizados diretamente pela União" aos médicos cubanos, no total de R$ 10 mil por profissional, "sem a intermediação da OPAS."

3) que o governo apresente todos os planos de trabalho do acordo de cooperação" que trouxe os médicos cubanos para o Brasil. A Procuradoria da República quer apalpar também "os correspondents relatórios de execução físico-financeira."

As manifestações do Ministério Público foram anexadas aos processos há pouco mais de duas semanas. Mas só nesta segunda-feira (3), as peças foram divulgadas no site da Procuradoria, no Distrito Federal. Elas podem ser lidas aqui e aqui.

— Atualização feita às 16h15 desta terça-feira (4): O Ministério da Saúde enviou ao blog uma nota sobre a manifestação do Ministérito Público Federal nas ações judiciais movidas contra o programa Mais Médicos. Vai abaixo o texto do ministério:

O Ministério da Saúde esclarece que todas as decisões relativas às duas ações que tramitam na Justiça Federal contra o Programa Mais Médicos foram favoráveis ao governo federal, representado em juízo pela Advocacia-Geral da União (AGU). No caso da ação civil pública movida pelo Conselho Federal de Medicina, o juiz federal indeferiu pedido de liminar em dezembro de 2013, e o processo continua a tramitar normalmente, ainda sem julgamento de mérito. Já a ação popular movida por um cidadão obteve decisão final de extinção do processo sem julgamento do mérito, uma vez que o juiz federal considerou o pedido juridicamente impossível e inepto.

O Ministério da Saúde reforça que tem convicção da segurança jurídica do Mais Médicos, cuja lei foi aprovada pelo Congresso Nacional, e reitera que o Programa cumpre todas as regras legais referentes à atuação dos profissionais participantes, baseado na integração ensino e serviço, semelhante à estabelecida na residência médica. No caso do acordo de cooperação com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), braço da Organização Mundial da Saúde (OMS) na América Latina, cabe ressaltar que não há irregularidade no acordo firmado pelo governo federal, que cumpre todas as regras estabelecidas para este tipo de cooperação.

É importante deixar claro que a lei que institui o Mais Médicos autoriza o chamamento de médicos brasileiros e estrangeiros, bem como a celebração de acordos internacionais. Esta cooperação visa garantir a presença de médicos em municípios que não foram selecionados pelos brasileiros e demais estrangeiros. Os profissionais cubanos representam hoje cerca de 80% dos 14,4 mil profissionais que estão atendendo a população.

O Ministério da Saúde reafirma a importância do Programa, que tem assegurando assistência médica a cerca de 50 milhões de brasileiros, e destaca que outros órgãos do judiciário já julgaram improcedentes ações contra o Mais Médicos. Inclusive, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em parecer enviado este ano ao Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a legalidade e a validade do Programa."

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.