Estevão e Odebrecht são retratos de dois Brasis
O ex-senador Luiz Estevão foi preso. Alvíssaras! Híbrido de empresário e político, Estevão é um condenado de outro tempo. Um tempo em que o cacique Antonio Carlos Magalhães mandava no Congresso, Luís Inácio ainda era o Lula e o acarajé não passava de uma iguaria da culinária baiana.
Nessa época, nenhuma revelação, por mais bombástica que fosse, conseguia abalar o prestígio de uma eminência empresarial brasileira. Mesmo depois de desmascarados, julgados e condenados, continuavam frequentando as colunas sociais, certos de que nada afetaria seu prestígio.
Hoje, é diferente. No Brasil que emerge das páginas dos inquéritos da Lava Jato, Marcelo Odebrecht, príncipe da plutocracia nacional, tornou-se uma espécie de anti-Estevão. Preso antes de ser sentenciado, já recorreu a todas as instâncias do Judiciário, do TRF ao STF. E nada.
Contrariando os conselhos do patriarca Emílio Odebrecht, Marcelo recusou-se a fazer o papel de delator. Quis o destino que, nesta terça, mesmo dia em que Estevão foi trancafiado em Brasília, viesse à luz a sentença de Moro para o herdeiro da maior construtora da América Latina: 19 anos e 4 meses de cadeia. Marcelo recorrerá ao TRF. Deve perder. Continuará preso. Há outros processos. Virão novas condenações. Os fatos como que intimam Odebrecht a virar um delator.
Estevão entregou-se à polícia com pelo menos dez anos de atraso. Protagonista do caso dos desvios da obra do TRT de São Paulo, um escândalo da década de 90, o personagem coleciona condenações. Numa das sentenças, a mais salgada, arrostara 31 anos de cana.
Em 2006, já lá se vão dez anos, a decisão foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 3.ª Região. Mas Estevão continuava livre. Ninguém tinha a menor dúvida quanto às suas culpas. Mas ele protelava o castigo por meio de 34 recursos impetrados em tribunais superiroes. Um acinte.
Estevão foi recolhido ao cárcere graças a uma histórica e singela decisão do Supremo Tribunal Federal. Ficou estabelecido que as sentenças devem ser executadas a partir do momento em que forem confirmadas pela segunda instância do Judiciário. O sujeito pode continuar recorrendo. Mas os recursos não têm mais o famigerado "efeito suspensivo".
Esse Brasil em que Estevão foi reduzido à condição de presidiário é outro país. O cacique ACM morreu sem poder. Renan Calheiros e Eduardo Cunha, seus similares, viraram condenações esperando para acontecer. Luiz Inácio, hoje um ex-presidente multi-investigado, já não é o mesmo Lula. Tem amigos demais e explicações de menos.
Como se fosse pouco, o acarajé —sinal dos novos tempos!— tornou-se a unidade monetária dos pagamentos clandestinos feitos pela Odebrecht para João Santana, o marqueteiro das campanhas presidenciais do PT.
Também nesta terça-feira, ganhou o noticiário a informação de que Maria Lúcia Tavares negocia com a força-tarefa da Lava Jato os termos de sua delação premiada. Não será uma delação qualquer. Maria Lúcia é a secretária da Odebrecht que zelava pela contabilidade dos "acarajé$" lançados na rubrica "feira", apelido atribuído a João Santana e sua mulher Mônica Moura na escrituração paralela da construtora.
A decisão do STF que encurtou a execução das penas ajuda a explicar o boom das delações que tornaram o Brasil de Marcelo Odebrecht tão diferente do país de Luiz Estevão. Os encrencados mais graúdos da Lava Jato apressam-se em colaborar com a Justiça, para reduzir suas penas.
Delcído Amaral atirou para cima. Acertou em Dilma Rousseff e Lula. Os executivos da Andrade Gutierrez já moveram os lábios. Leo Pinheiro, mandachuva da OAS e provedor de inusitadas despesas de Lula, também afia a língua. A República treme só de pensar no que está por vir. Aquele Brasil em que nenhuma mutreta justificava a incivilidade de uma reprimenda pública não existe mais.
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