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Josias de Souza

Reincidência faz de Dirceu um mártir do cinismo

Josias de Souza

18/05/2016 12h04

Ao condenar José Dirceu a 23 anos e 3 meses de cadeia, nesta quarta-feira (18), o doutor Sérgio Moro transformou em pó a análise de conjuntura que o diretório do PT aprovara horas antes. Na sentença do juiz da Lava Jato, Dirceu não é o "heroi do povo brasileiro" retratado no grito de guerra da militância, mas um criminoso reincidente. Ainda assim, o documento do PT refere-se à Lava Jato como uma operação "golpista".

"A Operação Lava Jato desempenha papel crucial na escalada golpista", anotou o PT na sua análise de conjuntura. "Alicerçada sobre justo sentimento anticorrupção do povo brasileiro, configurou-se paulatinamente em instrumento político para a guerra de desgaste contra dirigentes e governantes petistas, atuando de forma cada vez mais seletiva quanto a seus alvos, além de marcada por violações ao Estado Democrático de Direito."

Preso em Curitiba desde agosto de 2015, Dirceu foi sentenciado por ter recebido pixulecos que somam R$ 15 milhões. Dinheiro roubado da Petrobras. O juiz espantou-se com a desfaçatez exibida pelo personagem em sua reincidência.

Para Moro, "o mais perturbador em relação a José Dirceu consiste no fato de que recebeu propina inclusive enquanto estava sendo julgada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal a Ação Penal 470 [caso do mensalão], havendo registro de recebimentos pelo menos até 13 de novembro de 2013. Nem o julgamento condenatório pela mais Alta Corte do país representou fator inibidor da reiteração criminosa, embora em outro esquema ilícito."

No seu documento, o PT se absteve de fazer uma defesa aberta de Dirceu. Preferiu nem mencionar os nomes dos seus mártires. Conforme já comentado aqui, o texto apenas lamentou que o partido tenha adquirido o hábito da corrupção por contágio, como quem pega uma gripe: "…Fomos contaminados pelo financiamento empresarial de campanhas, estrutura celular de como as classes dominantes se articulam com o Estado, formando suas próprias bancadas corporativas e controlando governos."

No caso de Dirceu, a "contaminação" reforçou o patrimônio pessoal do condendo, não as arcas eleitorais da legenda. O companheiro conspurcou os fins e apropriou-se dos meios. Na juventude, sonhou ser uma espécie de Che Guevara brasileiro. Mas, que diabos, além do país Dirceu precisava reformar a mansão de Vinhedo.

Mas nem tudo está perdido. Apesar da sentença de Sérgio Moro, o documento do PT revela uma ótima notícia: não houve nenhum aumento no nível de cinismo do PT. Continua nos mesmos 100%. Com a vantagem de que Dirceu consolidou-se como mártir desse cinismo.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.