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Josias de Souza

Lula citou em grampo Rosa, que definirá prisão

Josias de Souza

08/02/2018 03h48

O destino acomodou nas mãos da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, a definição sobre a regra que permite a prisão de condenados em segunda instância. Tremenda falta de sorte de Lula, pois Rosa, uma magistrada de mostruário, discreta e austera, é a mesma que foi citada por ele em diálogos telefônicos vadios captados pela Lava Jato em 4 de março de 2016.

Conduzido coercitivamente pela Polícia Federal, Lula acabara de prestar depoimento por ordem de Sergio Moro. Estava uma arara. Sob escuta, dividiu sua irritação com Dilma Rousseff. Estava assustado com a ousadia da "República de Curitiba". Lamentou: "Nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada…"

Dilma passou o telefone para o petista Jaques Wagner, então chefe da Casa Civil da Presidência. O réu disse a Wagner: "…Eu queria que você visse agora, falar com ela [Dilma], já que ela está aí, falar com ela o negócio da Rosa Weber. Está na mão dela para decidir. Se homem não tem saco, quem sabe uma mulher corajosa possa fazer o que os homens não fizeram". E Wagner: "Falou! Combinado! Valeu, querido, dá um abraço na Marisa e nos meninos."

O "saco" que Lula enxergava em Rosa o levava a supor que a ministra poderia deferir uma petição que seus advogados haviam protocolado no Supremo. No mesmo dia em que os grampos captaram a conversa, a ministra contrariou a defesa de Lula, indeferindo pedido para retirar das mãos de Sergio Moro as investigações sobre o tríplex do Guaruja e o sítio de Atibaia (aqui, a íntegra da decisão da ministra). Alegava-se que as encrencas já estavam sendo apuradas em São Paulo. Alheia à morofobia de Lula, Rosa manteve Curitiba no seu encalço.

Pois bem. O destino voltou a atravessar Rosa Weber no caminho de Lula. Como se sabe, a prisão na segunda instância prevaleceu no Supremo, em 2016, pelo magro placar de 6 votos a 5. Morto num acidente aéreo em 2017, Teori Zavaschi votara a favor da tranca. Receava-se que seu substituto, Alexandre de Moraes, modificasse o voto. Mas ele ecoou a posição de Zavaschi em julgamento ocorrido na terça-feira na Primeira Turma do Supremo.

Preservado por Moraes, o placar de 6 a 5 pode ser modificado pelo ministro Gilmar Mendes. Ele também havia votado em 2016 a favor da prisão no segundo grau. Mas já anunciou uma meia-volta. Em tese, a reversão do placar beneficiaria Lula, cuja defesa protocolou no Supremo um habeas corpus para tentar evitar a execução da penas de 12 anos e 1 mês de cadeia, fixada pelo TRF-4.

O diabo é que Rosa Weber também não descarta a hipótese de alterar o seu voto, fazendo um caminho inverso ao de Gilmar. Em 2016, Rosa posicionara-se a favor de que as prisões só ocorressem depois de esgotadas todas as possibilidades de recurso aos tribunais superiores de Brasília. Agora, deixa no ar a hipótese de aderir à banda do Supremo favorável ao início da cana já na segunda instância.

Para um lado ou para o outro, o certo é que a nova maioria sobre a matéria será decidida por Rosa. Vale dizer: no limite, o futuro carcerário de Lula depende da ministra citada por ele em termos desrespeitosos nos grampos da Lava Jato.

Suprema ironia: ao indeferir o pedido que Lula imaginou que ela atenderia, Rosa manteve, em março de 2016, as investigações sobre o tríplex do Guarujá e o sítio de Atibaia nas mãos de Moro. O mesmo juiz que, no julgamento do mensalão, atuara como auxiliar de Rosa Weber no Supremo.

Por mal dos pecados, é justamente a sentença de Moro no processo do tríplex que deixou Lula na cara da cadeia. No mérito, a decisão do juiz da Lava Jato foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Na fixação da dosimetria do castigo, os três desembargadores que determinaram a prisão do réu elevaram a pena de 9 anos e 6 meses para 12 anos e 1 mês de prisão.

O encadeamento dos fatos revela que Lula pode ter sido abandonado por sua lendária sorte. E sem sorte não se chupa nem um pirulito. O sujeito pode engasgar com o palito.

Vai abaixo o áudio do pedaço da conversa em que Lula cita Rosa Weber para Jaques Wagner.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.