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Josias de Souza

Trancado em seus rancores, Lula perdeu o faro

Josias de Souza

07/04/2018 04h10

Inconformado com o roteiro que Sergio Moro preparou para o seu ocaso, Lula se autoconcedeu um último privilégio antes de se entregar à Polícia Federal: com desembaraço autocrático, o líder máximo do PT escolheu seu próprio caminho para o inferno. Trancado em seus rancores, Lula perdeu o faro. No intervalo de um dia e meio, produziu três desastres:

1) Bunker sindical: A pretexto de estimular o movimento "Lula livre", o condenado aprisionou-se no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, seu berço político. Foi como se viajasse até o passado num túnel do tempo. A volta às origens denunciou, por assim dizer, o isolamento político de Lula. Fora do prédio, uma multidão de militantes devotos. Nem sinal da classe média que guindou o ex-operário ao Planalto.

Dentro do bunker, além dos áulicos petistas, havia dois presidenciáveis que, mesmo não tendo votos, descartam a ideia de se coligar com o petismo: Manuela D'Ávila (PCdoB) e Guilherme Boulos (PSOL). Ciro Gomes (PDT), que sonha com uma vaga no segundo turno da disputa presidencial, preferiu não dar as caras. Solidarizou-se à distância. A autoproclamada esquerda já não se reúne nem no cárcere.

Mal acomodado, Lula perdeu o sono na sala da presidência do sindicato. No meio do dia, faltou água na prisão sindical. Foi necessário chamar o caminhão-pipa. Na sala especial que Moro mandou a Polícia Federal preparar para hospedá-lo em Curitiba, Lula terá mais conforto.

2) Afronta ao Judiciário: Sem discutir em profundidade os prós e contras, Lula participou de uma coreografia concebida para sapatear sobre a autoridade de Sergio Moro. Respondeu com grosserias às gentilezas do juiz da Lava Jato, que lhe ofereceu condições especiais para se apresentar à polícia sem constrangimentos.

O diabo é que a sentença que condenou Lula não é mais de Sergio Moro, mas do Judiciário. O TRF-4 confirmou o veredicto, aumentando a pena para 12 anos e 1 mês. O STJ indeferiu um par de habeas corpus solicitados pela defesa de Lula. O STF também mandou um habeas corpus ao arquivo. E há outro sobre a mesa do ministro Edson Fachin.

Se a coleção de derrotas judiciais revela alguma coisa é o seguinte: a agressividade de Lula e seus defensores revelou-se o caminho mais curto para a condenação. Há na fila mais meia dúzia de ações penais contra Lula. Uma segunda condenação já está no forno. E Lula continua aferrado à máxima segundo a qual é errando que se aprende… A errar.

3) Insanidade companheira: Dias depois de se queixar dos ovos, pedras, tiros e bloqueios de rodovias que atazanaram a passagem de sua caravana pelos Estados do Sul, Lula acendeu um pavio que inspirou desatinos em série. Os sem-terra e os sem-juízo bloquearam algo como 50 rodovias no país.

Agredido por um petista na frente do Instituto Lula, um manifestante pró-Lava Jato deu entrada no hospital com traumatismo craniano. Defronte do sindicato de São Bernardo, militantes arremessaram ovos em jornalistas.

Suprema insensatez: Em Belo Horizonte, um grupo criminoso a serviço do "exército" do Stédile tingiu de vermelho parte da fachada do edifício onde a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, tem um apartamento.

Ainda não se ouviu o repúdio do PT às agressões companheiras. Nessa matéria, Lula e seu partido especializaram-se em tocar trombone sob um imenso telhado de vidro. Avaliam que o radicalismo troglodita no patrimônio e no direito de ir e vir dos outros é refresco. Ainda não se deram conta do risco que o PT corre de encolher nas urnas de 2018.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.