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Josias de Souza

Novo chanceler foi do anúncio para a frigideira

Josias de Souza

15/11/2018 06h14

Jair Bolsonaro inovou. Criou uma via expressa ligando a escolha de um novo ministro à frigideira. O diplomata Ernesto Araújo migrou instantaneamente do anúncio de sua indicação como novo chanceler para o óleo quente. No início da madrugada desta quinta-feira, o blog testemunhou num restaurante chique de Brasília um conciliábulo de destacados membros da Casa de Rio Branco. Dedicavam-se a organizar uma "resistência" ao que chamaram de "diplomacia do desastre".

Convocado às pressas, o jantar reuniu oito diplomatas. Todos mais estrelados que o preferido de Bolsonaro. Na definição de um dos presentes, são "servidores sem partido." Avaliaram que Bolsonaro chutou em gol ao escolher Ernesto Araújo. Marcou para os Estados Unidos. Tentaram enumear vantagens e desvantagens.

De vantajoso, apenas o fato de que o novo chanceler brasileiro não será convidado a tirar os sapatos para uma revista no aeroporto de Washington, como fez Celso Lafer na era FHC. Imaginam que, para poupar a saliva dos agentes da imigração americana, Ernesto Araújo já "pisará o solo americano descalço". No mais, tudo seria desvantajoso.

Havia sobre a mesa um tablet, aberto no blog 'Metapolítica 17', abastecido com textos de Ernesto Araújo. Extraíram-se previamente dos posts do novo ministro das Relações Exteriores duas aparentes prioridades: "Ajudar o Brasil e o mundo a se livrarem da ideologia globalista" e erguer barricadas contra a "China maoísta que dominará o mundo".

Além de "envergonhar" a inteligência do Itamaraty, as pretensões seriam "inexequíveis". O nacionalismo antiglobalista não resistiria a um embate com o ultraliberalismo do Posto Ipiranga Paulo Guedes. Quanto à dominação maoísta, a impossibilidade de ressuscitar Mao Tsé-Tung e os valores que ele representava deixam a cruzada sem alvo.

A prioridade mais "preocupante" de Ernesto Araújo foi sublinhada num artigo escrito para a revista 'Cadernos de Política Exterior'. Ali, o novo chanceler emite sinais de que não hesitaria em encostar a diplomacia brasileira no potencial que enxerga em Donald Trump para "salvar o Ocidente." Não há "risco de dar certo". Salva-se não o Ocidente, mas o projeto de transformar Bolsonaro "numa versão periférica de  Trump".

O grupo chegou a um par de conclusões: Bolsonaro colocou no comando do Itamaraty não um chanceler, mas um espelho para refletir suas próprias idiossincrasias. De resto, haverá não um, mas dois chefes do Itamaraty: o oficial, em Brasília, e seu padrinho Olavo de Carvalho, que patrocinou sua indicação desde os Estados Unidos.

Consolidou-se no grupo a ideia de ampliar a "resistência" inaugurada de madrugada utilizando uma ferramenta muito apreciada por Bolsonaro: o WhatsApp. Deseja-se transferir Ernesto Araújo da frigideira para o micro-ondas. Se funcionar, o novo ministro chegará ao dia da posse, em 1º de janeiro, já bem passado. No limite, disse um dos presentes, "o Itamaraty de Bolsonaro vai virar não uma sucursal de Washington, mas do Vietnã."

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.