Bolsonaro transforma o PT no ‘boi da cara preta’
Daqui a 22 dias, o pano vai se abrir para o governo de Jair Bolsonaro. Por ora, o que se ouve da plateia é o ruído da arrumação dos bastidores. Num instante em que cresce a expectativa do público para saber como se desenvolverão as coisas no palco quando abrirem a cortina, o presidente eleito se comporta como se fosse o protagonista de uma peça infantil. Depois de surfar a onda do antipetismo durante a campanha eleitoral, Bolsonaro transforma o PT numa espécie de 'boi da cara preta'.
"Ou mudamos o Brasil agora, ou o PT volta, volta com muito mais força do que tinha até o final do governo Dilma", disse Bolsonaro neste sábado (8) para a plateia reunida na Primeira Cúpula Conservadora das Américas, uma nova versão do Foro de São Paulo com sinal invertido, que seu filho Eduardo Bolsonaro ajudou a organizar num hotel da cidade paranaense de Foz do Iguaçu. A infantilização do discurso político do capitão não é gratuita. Há método na estratégia.
Como nas velhas cantigas de ninar utilizadas desde tempos imemoriais para fazer criancinhas dormir incutindo-lhes terror, Bolsonaro reivindica uma solidariedade soporífera ao seu futuro governo instilando o medo de uma assombração de "esquerda" que pode ressurgir a qualquer momento para pegar de volta o Brasil, esse país recém-nascido das urnas conservadoras, que ainda 'tem medo de careta' —uma careta que deixou um rastro pegajoso de corrupção, recessão e desemprego.
Bolsonaro já havia entoado a mesma cantiga nas reuniões que manteve ao longo da semana, a portas fechadas, com as bancadas de partidos como MDB, PRB, PR e PSDB. Ao pedir votos para reformas antipáticas como a da Previdência, o novo presidente esgrimiu o risco da volta do PT ao poder na hipótese de fracasso da administração a ser inaugurada em 1º de janeiro. "Se falharmos, eles voltam", repetiu o capitão à exaustão.
A cena protagonizada por Bolsonaro na noite deste sábado, disponível no vídeo que ilustra esse post, estava impregnada de ironia. Sua imagem chegou à plateia reunida em Foz do Iguaçu via webcam, numa transmissão precária de internet. O orador estava no quarto, sentado na cama, na sua casa, no bairro carioca da Barra da Tijuca. Era possível ver, ao fundo, os travesseiros sobre os quais Bolsonaro recostaria a cabeça à espera de um sono que o Coaf lhe roubou.
Horas antes, após participar de um evento da Marinha, Bolsonaro fora abolroado por uma inquirição dos jornalistas sobre os R$ 24 mil que migraram da movimentação bancária suspeita do assessor de seu filho Flávio Bolsonaro para a conta de sua mulher, Michelle. Ainda envolto na bandeira da moralidade que o conduziu ao Planalto, o futuro comandante da nação repetiu o lero-lero da véspera, de um suposto empréstimo que fizera ao policial militar Fabrício Queiroz. A entrevista levou às manchetes a frase-símbolo da fase de transição de governo: "Se eu errei, eu arco com a minha responsabilidade perante o Fisco".
A ficha de Bolsonaro ainda não caiu. Mas assombração do PT tornou-se um asterisco perto do fantasma que sacode o lençol na direção de sua reputação. Quando a cortina finalmente se abrir, o pedaço da banda patrimonialista do Congresso que foi preterido na formação da equipe do novo governo saltará da plateia para o centro do palco. Já se ouve nas coxias um barulhinho esquisito. É o som dos parlamentares fisiológicos entoando para o capitão a velha cantilena:
"Boi, boi, boi
Boi da cara preta
Pega esta criança
Que tem medo de careta!"
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