Falta às mineradoras uma Operação Lama-Jato
Qualquer dia os casos de rompimento de barragens como as de Mariana e de Brumadinho, em Minas Gerais, passarão pelo crivo de uma força-tarefa de jovens procuradores e cairão no colo de um juiz valente. Quando empresários inconsequentes e agentes públicos incompetentes perceberem que poderão passar alguns anos na cadeia, mineradoras como a Vale e o Estado ficarão mais próximos da solução do que do problema. Só uma Operação Lama-Jato pode evitar que o setor de mineração continue matando gente e degradando o meio ambiente.
Ao sujar os sapatos no cenário da tragédia de Brumadinho, neste sábado, Jair Bolsonaro reverencia o sofrimento de brasileiros que lhe pagam o salário. Não é pouca coisa. Até hoje Dilma Rousseff não conseguiu explicar por que acordou tarde no episódio do vazamento de rejeitos de minério em Mariana, que matou 19 pessoas e arruinou a existência e o habitat de algo como 500 mil moradores de Minas Gerais e do Espírito Santo em 2015. Diferentemente do capitão, madame só visitou o mar de lama uma semana depois do tsunami. E limitou-se a sobrevoar o descalabro.
Bolsonaro converterá acerto em equívoco se a simbologia de sua visita não for seguida de uma gestão qualificada do problema. O primeiro passo é o ajuste da retórica. O capitão já expôs o desejo de expandir a atividade mineradora no país. Se deixarem, converterá até territórios indígenas em lavras minerais. Alardeou, de resto, o plano de afrouxar a política de licenciamento ambiental. Praguejou o que chama de "indústria da multa". Ou Bolsonaro domestica a língua ou voltará a sujar os sapatos na lama. A conjuntura pede um choque de ordem, não a suavização do que já é uma moleza.
As investigações do desastre de Mariana resultaram no indiciamento de 21 pessoas (eram 22, mas uma foi retirada do banco dos réus pela Justiça). Afora os prejuízos materiais e ambientais, os personagens foram acusados de cometer 19 homicídios. Decorridos três anos e dois meses, ninguém foi julgado. Prisão? Nem pensar. Ao descaso com a memória dos mortos soma-se o desrespeito com os vivos, que guerreiam até hoje pelas indenizações. Contra esse pano de fundo, a condescendência com os oligarcas da mineração seria um escárnio.
Para chegar à solução, é primordial enxergar o problema. Em 2015, nas pegadas da tragédia de Mariana, Dilma editou um decreto para liberar o FGTS às vítimas. O texto chamou a negligência criminosa de "desastre natural". Na época, a subprocuradora Sandra Cureau, que respondia pela área de meio ambiente na Procuradoria-geral da República, ralhou: "Isso pode ter reflexo na área penal, também na área cível."
Sandra Cureau acrescentou: "Se foi natural, não é responsabilidade de ninguém. A presidente (Dilma) não pode editar um decreto dizendo que um quadrado é redondo, que uma laranja é azul. Esse desastre não é natural." Com seu lero-lero flexibilizador, Bolsonaro como que reincide no equívoco da naturalização do antinatural.
Se a Lava Jato introduziu algo de bom na conjuntura nacional foi que, pela primeira vez desde a chegada das caravelas, o braço repressor do Estado investigou e prendeu corruptos e corruptores graúdos. Foi em cana muita gente que se imaginava acima da lei. Ao perceber que a festa acabara, empreiteiros e políticos que pintavam e bordavam passaram a colaborar com a Justiça. Roubar tornou-se uma atividade arriscada.
Uma Operação Lama-Jato injetaria nos cálculos de engenharia, de manutenção e de fiscalização das barragens uma variável nova: o pavor da tranca e o medo do escoamento do patrimônio pessoal para as indenizações e as multas. Ficaria entendido o seguinte: não é que o crime das mineradoras não compensa. É que, quando compensa, ele muda de nome. Passa a se chamar "desastre natural".
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