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Josias de Souza

Greve virou um tiro contra o pé de organizadores

Josias de Souza

15/06/2019 06h14

A greve parcial e as manifestações esparsas promovidas nesta sexta-feira revelaram-se um tiro contra o pé dos organizadores. Em termos práticos, nada mudou. A reforma da Previdência, alvo central dos atos, segue seu curso no Congresso, rumo à aprovação. Se a algaravia serviu para alguma coisa foi para realçar que a oposição ao governo de Jair Bolsonaro, incluindo o aparato sindical e social que gravita ao redor do PT, continua zonza. O que é uma pena, pois a democracia tende a funcionar melhor quando a oposição tem rumo.

Ficou demonstrado que a conjuntura empurrou o petismo e seus satélites para o antigo gueto estatal. Longe das franjas do Estado, a paralisação foi pequena, diminuta, quase imperceptível. Ficou mais fácil para o ministro Paulo Guedes (Economia) classificar os adversários da reforma previdenciária de "privilegiados". O mundo privado não aderiu ao movimento desta sexta senão na marra, retido em barricadas nas rodovias e nas estações de transportes públicos interditadas.

Faltou aos idealizadores do fiasco a percepção do óbvio: contra um pano de fundo tisnado pelo desemprego, a prioridade não é a histeria, mas a volta a um cenário qualquer que se pareça com a retomada da normalidade econômica. Com mais de 13 milhões de almas penadas no olho da rua, quem tem ocupação não faz protesto —faz a barba e a maquiagem, antes de pegar no batente. Quem não tem emprego vai ao meio-fio portando não uma faixa de "Abaixo a Reforma", mas um currículo.

De resto, o anti-reformismo que aparece nas faixas da CUT pode interessar a muita gente, não aos governadores e prefeitos do PT e adjacências. No momento em que os partidos de oposição ainda controlam o poder em alguns pedaços do mapa, a maioria dos seus gestores percorrem os salões e gabinetes de Brasília rogando para que o Congresso inclua servidores dos Estados e dos municípios na reforma da Previdência. Já se deram conta de que a alternativa será o aprofundamento da falência.

No caso do PT, que passou 13 anos no poder federal, a volta da velha indecisão entre virar a mesa e sentar-se a ela, em favor da primeira opção, não apaga a memória do brasileiro de classe média. Uma lembrança que inclui a bancarrota moral que transformou a legenda em máquina coletora de propinas. Inclui também recordações da ruína econômica que resultou na metamorfose de Dilma Rousseff, convertida de gerentona infalível em cuidadora de netos.

É como se o movimento desta sexta-feira tivesse alçado o petismo e seus satélites a um raro patamar de autossuficiência. Eles mesmos levam as finanças públicas à breca, eles mesmos criam obstáculos à reforma, eles mesmos organizam os protestos que escancaram sua falta de rumo. Pena. Poucas vezes o Brasil precisou tanto de uma oposição lúcida e consequente.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.