Toffoli vota por 4 horas num idioma novo: toffolês
Relator do caso sobre o compartilhamento de dados sigilosos dos órgãos de controle, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, alcançou uma proeza rara. Pronunciou um dos mais longos votos da centenária história da Corte —mais de quatro horas de pregação. E não foi compreendido nem pelos companheiros de toga. Toffoli expressou-se num idioma muito parecido com o português, só que muito mais confuso: o toffolês.
Quem conseguiu ouvir toda a explanação de Toffoli sem cochilar ficou com a impressão de que ele votou a favor da imposição de condições para o compartilhamento de dados sigilosos sem autorização judicial.
O ex-Coaf, rebatizado de UIF, não poderia entregar aos investigadores senão dados genéricos. Detalhamentos, só com autorização judicial. A continuidade dos inquéritos congelados desde julho —o de Flávio Bolsonaro e outras 935 investigações— ficaria condicionada a uma análise caso a caso.
As restrições seriam ainda maiores para a Receita Federal. Após apalpar os dados enviados pelo Fisco, o Ministério Público seria obrigado a comunicar imediatamente a abertura de uma investigação ao juiz, que supervisionaria o inquérito.
As explicações soaram claras como a gema. Munidos de todas as informações transmitidas por Toffoli, os repórteres tiraram suas próprias confusões. E foram constrangidos a cercar o orador no início da noite para pedir-lhe que trocasse em miúdos o voto que começara a ler no expediente da manhã.
"Em relação ao Coaf, pode sim compartilhar informações", declarou Toffoli. "Mas ele é uma unidade de inteligência. O que ele compartilha não pode ser usado como prova. É um meio de obtenção de prova." Ora, ora, ora. Então, não haveria nada de novo sob o Sol, pois a coisa já funciona exatamente assim.
Mais tarde, em novo esforço de tradução do toffolês para o português, o gabinete de Toffoli informou que, no caso do Coaf, não há novas limitações. Como assim? Considerando-se que os relatórios produzidos pelo órgão não incluem documentos detalhados, poderiam continuar circulando no formato atual.
Se é assim, por que diabos o descongelamento do inquérito contra Flávio Bolsonaro e os outros 935 dependeriam de análises posteriores? Nada foi dito sobre esse paradoxo.
No voto, Toffoli dissera que o Ministério Público não poderia, em hipótese nenhuma, "encomendar relatórios" ao Coaf. Na tradução do gabinete, procuradores e promotores podem requisitar complementos de informações recebidas do Coaf.
Toffoli repetiu várias vezes a expressão "lenda urbana". Fez isso, por exemplo, ao assegurar que o julgamento iniciado nesta quarta não tem nada a ver com Flávio Bolsonaro.
O relator reiterou a doutrina Saci-Pererê ao sustentar que a liminar que concedera em julho, a pedido da defesa do primogênito de Jair Bolsonaro, havia paralisado "poucos processos". Faltou explicar por que considera o congelamento de 935 inquéritos pouca coisa.
Alguns ministros esforçaram-se para reprimir um sorriso interior enquanto ouviam Toffoli. Com a ironia em riste, um dos colegas de presidente do Supremo referiu-se ao voto dele como "uma grande homenagem ao Dia da Consciência Negra."
Num flerte com o politicamente incorreto, o ministro declarou: "O voto do relator foi um autêntico samba do crioulo doido".
Vivo, Sérgio Porto, o magistral criador do samba, discordaria. Seu crioulo entoou: "Joaquim José / Que também é / Da Silva Xavier / Queria ser dono do mundo / E se elegeu Pedro II". Não dizia coisa com coisa. Mas era taxativo.
Dias Toffoli, por gelatinoso, terá de explicar-se novamente diante dos seus pares nesta quinta-feira, pois vários deles foram dormir ruminando dúvidas sobre o voto de dimensões amazônicas.
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