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Congresso dá ‘prensa’ de R$ 6 bi em Bolsonaro

Josias de Souza

08/11/2018 17h12

Entre a noite de quarta-feira e a manhã desta quinta-feira, o Congresso espetou na futura administração de Jair Bolsonaro uma conta de pelo menos R$ 6,1 bilhões por ano. Além de reajustar os salários dos ministros do Supremo e da procuradora-geral da República (R$ 4 bilhões), concedeu isenção fiscal a fabricantes de automóveis (R$ 2,1 bilhões). Tudo isso depois que Paulo 'Posto Ipiranga' Guedes, o czar da economia do próximo governo, defendeu a tese segundo a qual os congressistas precisavam de uma "prensa" para aprovar a reforma da Previdência.

Na prática, as decisões do Legislativo impõem um par de derrotas para um governo que ainda nem começou. Horas antes da aprovação do tônico salarial servido ao Supremo e à Procuradoria, com direito a efeito cascata, o próprio Bolsonaro manifesta sua oposição à providência. O refresco tributário oferecido às montadoras de carros também vai na contramão do discurso de Bolsonaro e do seu guru econômico, que passaram a campanha eleitoral prometendo acabar com incentivos fiscais.

O reajuste da cúpula do Judiciário, que estava no freezer do Senado, foi descongelado na quarta e aprovado pelos senadores no mesmo dia, a toque de caixa. Os cálculos mais pessimistas estimam que, depois de descer em cascata por toda a administração pública, o aumento pode representar uma despesa adicional de mais de R$ 6 bilhões.

O pacote de incentivos às montadoras, batizado de Rota 2030, constava de medida provisória editada por Michel Temer. O texto estava estacionado na Câmara. Perderia a validade caso não fosse votado até a próxima semana. Os deputados, porém, pressionados pelo lobby de quatro rodas, pisaram no acelerador, aprovando a matéria na noite de quarta.

Com velocidade incomum, a medida provisória atravessou a burocracia legislativa de madrugada. No início da manhã, já estava na primeira posição do grid de largada da pauta de votações do Senado. E os senadores converteram a encrenca em lei num intervalo de escassos 22 minutos. Temer regulamentou a novidade instantaneamente, em tempo de receber aplausos numa feira automotiva, em São Paulo. A brincadeira pode custar mais do que o dobro dos R$ 2,1 bilhões estimados pela Receita Federal, pois os congressistas engataram no texto original a prorrogação do chamado regime automotivo do Nordeste, que custa, hoje, algo como R$ 2,5 bilhões anuais.

O reajuste salarial foi uma emboscada do Senado que pegou a equipe de transição de surpresa. Todos sabiam da existência da proposta. Mas ninguém imaginava que os senadores ousariam votá-la. A armadilha da isenção para as fábricas de carros era de pleno conhecimento dos auxiliares do presidente eleito. Mas o time de Bolsonaro não moveu uma palha para desarmá-la. Bem ao contrário. Ao esgrimir a tese da "prensa", o 'Posto Ipiranga' como que riscou um fósforo para ver se havia gasolina no fundo do tanque.

O presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), a quem o eleitor cearense sonegou a renovação do mandato, negou que os parlamentares estejam lançando bombas no colo do capitão. Declarou, de resto, que está à disposição de Bolsonaro e sua equipe para promover "adaptações" no Orçamento de 2019, que já carrega um déficit de extraordinários R$ 139 bilhões.

Como ninguém o procurou, Eunício insinuou que vai manter o ritmo: "É natural que a gente possa discutir as matérias, as pautas e o Orçamento do próximo ano. Com temos mudança de gestor, um novo presidente, ele tem a liberdade de falar comigo quando quiser para discutir adaptações. Estou aberto para discutir qualquer matéria. Se houver o convencimento de que essa matéria criará problemas para o Brasil, ela poderá não ter o meu apoio." Hã, hã…

Considerando-se a maneira como os congressistas tratam o dinheiro do governo como se fosse dinheiro grátis, se o Orçamento de 2019 for transformado num deserto, vai faltar areia. É como se os parlamentares desejassem remodelar o lema de campanha de Bolsonaro: "O irresponsabilidade acima de tudo, o privilégio acima de todos."

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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