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Surpreendente no caso Pezão é falta de surpresa

Josias de Souza

29/11/2018 15h13

Espantosa época a atual. O mais surpreendente na notícia sobre a prisão do governador Luiz Fernando de Souza, o Pezão, é a ausência de surpresa. Condenado pela sucessão de escândalos a suprimir do seu cotidiano o vocábulo espanto, o brasileiro olhava para o Palácio das Laranjeiras, sede do governo do Rio, não com cara de exclamação, mas de interrogação: por que ainda está solto?

No momento, a oligarquia político-empresarial que Pezão integra está dividida em três grupos: a ala dos presos, o bloco dos que receberam habeas corpus de Gilmar Mendes e a trupe dos que, como Pezão, continuavam protegidos sob a marquise das imunidades de um cargo público.

Considerando-se que a cobertura já havia desabado sobre a cúpula da Assembléia Legislativa do Rio, a prisão de Pezão reduz o grupo da marquise a uns poucos parlamentares estaduais. São mandatos que aguardam na fila como flagrantes esperando para acontecer.

No final do ano passado, quando Michel Temer serviu um refresco fiscal da União para o Estado do Rio, Pezão adicionou à ruína quatro pedras de cinismo. Girando o dedo num copo em que a roubalheira se misturava à desfaçatez, o herdeiro de Sergio Cabral declarou que a corrupção "não é o principal problema do Rio". Acrescentou: "Isso aí não atinge a nossa administração."

Especialista na matéria, Pezão tinha razão. Após conviver com o saque que pilhava o Estado havia uma década, tendo sido secretário de obras e vice do presidiário Cabral, Pezão sempre soube que o principal problema do Rio era sua presença na chefia do governo. Confirmam-se agora as convicções do governador. A Procuradoria informa que o assalto não foi interrompido.

Há nove meses, quando decretou intervenção federal na segurança pública do Rio, Temer disse que decidiu agir porque "o crime organizado quase tomou conta do Estado." Embora considerasse "essa medida extrema", avaliou que "as circunstâncias exigem". Prometeu "respostas duras".

Esse Temer que falou grosso com a bandidagem do Rio, é o mesmo Temer que ostenta a condição de presidente licenciado do MDB —um partido que insiste em mater em seus quadros, entre outros ilustres cidadãos do Rio, Pezão, Cabral e Eduardo Cunha. Pezão apenas integrou-se à categoria dos políticos que se encontram atrás das grades. Contra essa quadrilha de estimação, porém, Temer nunca se animou a destinar uma resposta dura.

As denúncias e os inquéritos que pesam sobre os ombros do presidente da República travam-lhe os lábios. Por mal dos pecados, no mesmo dia em que a Polícia Federal foi ao Palácio das Laranjeiras para enfiar o governador num camburão, o Supremo Tribunal Federal julga em Brasília a legalidade do decreto de indulto editado por Temer para brindar corruptos condenados com o perdão de 80% das penas e 100% das multas. É impossível fazer a concessão de uma surpresa a uma conjuntura como a atual.

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Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.


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