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Josias de Souza

PetroCPI entra na fase do salve-se quem puder

Josias de Souza

18/11/2014 20h17

A inusitada passagem dos construtores de obras e de imoralidades públicas pela cadeia inaugurou uma nova etapa na CPI mista da Petrobras. Antes monolítico, o bloco do governo trincou. Nesta terça-feira, cada partido cuidou dos seus próprios fios desencapados. E a oposição, jogando um contra o outro, obteve um curto-circuito que fez a comissão ingressar na fase do salve-se quem puder. Eletrocutaram-se os interesses dos dois sócios majoritários do governo: PT e PMDB.

Quem saiu mais tostado foi o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto. Acusado de recolher propinas na Petrobras em nome do seu partido, Vaccari terá os seus sigilos bancário, fiscal e telefônico varejados pela CPI. Supreendido, o petismo agora quer arrastar para o banco da CPI os tesoureiros de todos os partidos. Alega que as principais agremiações receberam verbas das empreiteiras encrencadas na operação Lava Jato.

Em termos práticos, a CPI da Petrobras tornou-se uma inutilidade levada às últimas consequências. Deputados e senadores forçam portas já arrombadas. Fingem investigar mutretas que já estão em adiantado estágio de elucidação na Procuradoria da República, na Polícia Federal e na mesa do juiz federal Sérgio Moro. Além de já existir, a investigação oficial deu frutos. Levará ao banco de réus corruptos, corruptores, intermediários e dezenas de políticos.

Ainda assim, a CPI oferece um desnudamento divertido. A quebra dos sigilos de Vaccari fez o vice-presidente do PMDB, senador Valdir Raupp, remexer-se na cadeira. Disse que "a política e os partidos foram criminalizados". E que, ao mexer com o tesoureiro do PT, a CPI convulsiona ainda mais a cena. "A coisa vai ficar pior ainda", vaticinou, antes de lembrar aos seus pares que os tesoureiros não são senão representantes dos partidos. "Qual é o papel do tesoureiro? Arrecadar fundos legais para campanhas!"

Principal voz do PT na sessão desta terça da CPI, o senador e governador eleito do Piauí, Wellington Dias, ecoou Raupp: "Aonde nós vamos chegar?" Para ele, a decisão sobre Vaccari pode representar "um caminho sem retorno" rumo ao vale-tudo. "foram 12 votos contra 11, o que mostra uma divisão. Hoje, a votação é assim. Outra hora, vai ser diferente", disse Wellington, dirigindo-se aos oposicionistas.

Wellington Dias avisou que o PT exigirá a votação de requerimento que arrasta para a CPI os tesoureiros de todos os partidos. Antes, a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), 100% aliada do petismo, dissera que, excetuando-se o PSOL, todos os partidos carregam em suas caixas registradoras verbas das empreiteiras enroladas na operação Lava Jato. Ela lembrou que até Sérgio Guerra, o ex-presidente morto do PSDB, foi acusado de receber uma Youssefiana R$ 10 milhões.

Em meio a esse lufa-lufa, os oposicionistas lograram convocar quatro personagens incômodos para os governistas: um afilhado de Renan Calheiros, Sérgio Machado (licenciado da Transpetro); um suposto coletor do PT, Renato Duque (ex-diretor de Serviços da Petrobras); um híbrido petista-peemedebista, Nestor Cerveró (ex-diretor Internacional); e um preposto do PP, Paulo Roberto Costa (ex-diretor de Abastecimento). Deseja-se submeter Cerveró e Paulo Roberto a uma acareação.

Notícia vinda de Curitiba fez correr um frêmito na CPI: o advogado de Fernando Soares, o Fernando Baiano, avisou que ele se entregaria à Polícia Federal na capital paranaense. Algo que, de fato, ocorreu. Foragido há quatro dias, ele é apontado como intermediador de propinas para o PMDB. Valdir Raupp, o vice-presidente do partido de Michel Temer, foi ao microfone da CPI: "A mídia brasileira está dizendo que o PMDB tinha um operador. O partido nunca teve operador".

Informado de que o plenário do Senado abrira a pauta de votações, o presidente da CPI, Vital do Rêgo (PMDB-PB), encerrou a sessão da CPI. Wellington Dias reiterou que o PT quer votar na próxima reunião a convocação de "todos os tesoureiros". Ficou boiando na atmosfera a pergunta do senador petista: "Aonde nós vamos chegar?" A resposta é simples: mesmo que seja prorrogada até o final de dezembro, a CPI não irá muito longe. Talvez nem saia do lugar. vai sair do lugar. A diferença é que, dessa vez, a Procuradoria, a PF e a Justiça Federal evitarão que a plateia seja feita novamente de boba.

Sobre o autor

Josias de Souza é jornalista desde 1984. Nasceu na cidade de São Paulo, em 1961. Trabalhou por 25 anos na ''Folha de S.Paulo'' (repórter, diretor da Sucursal de Brasília, Secretário de Redação e articulista). É coautor do livro ''A História Real'' (Editora Ática, 1994), que revela bastidores da elaboração do Plano Real e da primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da República. Em 2011, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (Regional Sudeste) com a série de reportagens batizada de ''Os Papéis Secretos do Exército''.

Sobre o blog

A diferença entre a política e a politicagem, a distância entre o governo e o ato de governar, o contraste entre o que eles dizem e o que você precisa saber, o paradoxo entre a promessa de luz e o superfaturamento do túnel. Tudo isso com a sua opinião na caixa de comentários.